Um banco de microrganismos é uma coleção de culturas que tem como principal objetivo conhecer, preservar e proteger o patrimônio genético de leveduras e bactérias, além de fornecer material biológico de qualidade para atender as pesquisas e a demanda das indústrias nos mais diversos setores. Sem uma preservação adequada, muitos microrganismos poderiam simplesmente se perder com o tempo, além de haver o risco da contaminação cruzada por outros microrganismos ou de ter suas principais características modificadas tornando-os inadequados para algumas aplicações.
Os microrganismos estão sujeitos a cruzamentos espontâneos e troca de material genético, esporulações, recombinações mitóticas e mutações, que levam à perda das habilidades fermentativas e atributos importantes para a indústria se não forem preservados corretamente. Devido a importância de preservar os microrganismos para pesquisas e aplicações industriais, nos últimos anos, o número de coleções de culturas tem aumentado significativamente no Brasil e em outros países. De acordo com a Federação Mundial de Coleções de Culturas (WFCC) existem atualmente, 704 coleções de culturas registradas em 72 países que preservam 2.538.710 microrganismos, sendo 1.044.379 bactérias, 771.099 fungos e leveduras, 37.912 vírus e 31.829 linhagens celulares como demonstrado na Figura 1.
Figura 1. Distribuição dos microrganismos preservados em 704 coleções de culturas em todo mundo.
Ainda, segundo a WFCC, o Brasil é o país com o maior número de coleções registradas (65) e o terceiro colocado em número de culturas, como demonstrado na Tabela 1. Japão e Estados Unidos são os países com o maior número de culturas apesar de um menor número de coleções quando comparados a outros países como Brasil, Tailândia, Senegal, França, Austrália, China e Índia.
Tabela 1. Relação dos principais países e número de coleções e culturas (fungos e leveduras, bactérias, vírus, cultivo de células)
Na sua grande maioria, estas coleções de microrganismos são mantidas pelos governos e universidades. Somente uma pequena fração (9,90%) tem sido preservada exclusivamente pela iniciativa privada e indústrias, como demonstrado na Figura 2.
A manutenção destas coleções exige conhecimento especializado, rotinas bem estabelecidas de reativação e cultivo dos microrganismos, métodos de verificação e confirmação de identidade dos microrganismos, equipamentos especiais para liofilização e preservação em freezer a ultrabaixa temperatura (-80oC), domínio de aspectos regulatórios, práticas de biossegurança e manutenção de um banco de dados com informações atualizadas sobre cada microrganismo. Estas atividades requerem profissionais especializados e capacitados para trabalhar com microrganismos de diferentes gêneros e espécies. De acordo com a WFCC, um total de 5.430 pessoas trabalham diretamente nestas 704 coleções o que representa em média 1 profissional para cada 468 microrganismos.
Figura 2. Manutenção das coleções de culturas por diferentes instituições em 72 países.
Desde 1985, a Fermentec vem preservando leveduras e bactérias de fermentações industriais. Este trabalho se intensificou com o monitoramento das leveduras pela cariotipagem de amostras coletadas de diversos processos de fermentação no Brasil e exterior. Em 2019, o Banco de Microrganismos da Fermentec conta com 2.737 leveduras e 3.468 amostras de levedo (totalizando 6.205 entradas), além de 730 bactérias. Cada microrganismo registrado no banco recebe um código FT seguido de um número e a letra “L” se for levedura ou a letra “B” se for bactéria. Este código permite rastrear a origem e demais informações associadas a cada microrganismo. Nos últimos cinco anos o número de leveduras depositadas no banco da Fermentec tem crescido fortemente (Figura 3).
Figura 3. Evolução do número de leveduras preservadas no Banco de Microrganismos da Fermentec desde o início da década de 1990.
Muitas destilarias passaram a fazer um monitoramento mais frequente da população de leveduras e conseguiram selecionar suas próprias Leveduras Personalizadas® que passaram a ser preservadas na Fermentec. Além disso, diversas linhagens contaminantes, mas com características de dominância e persistência, também têm sido preservadas visto o potencial de serem utilizadas para outras aplicações.
As leveduras e bactérias têm sido utilizadas para avaliação de novos produtos (antiespumantes, dispersantes, antibióticos, biocidas, nutrientes), assim como para pesquisa e desenvolvimento de novos processos industriais (fermentações com teores alcoólicos elevados, uso de leveduras imobilizadas, leveduras floculantes). A preservação das leveduras no Banco de Microrganismos também possibilitou a identificação das habilidades fermentativas de diferentes linhagens para maltose e maltotriose que ocorrem nos mostos de milho e outros substratos amiláceos (Figura 4), rafinose e melibiose (presentes na beterraba açucareira), estaquiose (melaço de soja), xilose e arabinose (açúcares originados da hidrólise da hemicelulose), celobiose (originada da hidrólise incompleta da celulose), leveduras frutofílicas (que fermentam mais rápido a frutose, principal açúcar dos mostos de agave para produção de tequila) e as leveduras capazes de transformar bagaço em proteína de alto valor nutricional (fábrica de leveduras).
Figura 4. Crescimento relativo de leveduras industriais (Saccharomyces) utilizando a maltose. O crescimento foi avaliado por leituras da densidade óptica a 600nm em relação a população inicial de células.
Além das leveduras, o Banco de Microrganismos da Fermentec tem um papel fundamental na identificação e caracterização das bactérias Gram+ (homo e heterofermentativas) que afetam as fermentações industriais como é o caso das bactérias lácticas que transformam glicose e frutose em ácido láctico (isômero D, Isômero L, ou uma combinação racêmica dos dois isômeros), frutose em manitol (fermentação manítica), que são capazes de converter o ácido málico em láctico (bactérias malolácticas) e aquelas Gram- que metabolizam o glicerol em di-hidroxiacetona.
Para preservar estas leveduras e bactérias, a Fermentec tem adotado duas estratégias: a liofilização das células e a estocagem em freezer ultrafrio (-80oC). A liofilização em ampolas de vidro tem permitido preservar, transportar e utilizar microrganismos conservados a mais de 20 anos (Figura 5). A liofilização reduz a frequência de repicagens, a manipulação excessiva pelo microbiologista e os riscos de contaminação. Por outro lado, manutenção no freezer ultrafrio facilita o trabalho do analista, simplifica o procedimento de reativação e armazenamento e reduz as chances de perda da viabilidade do microrganismo caso venha ocorrer o rompimento da ampola de vidro.
Figura 5. Leveduras e bactérias são preservadas em ampolas de vidro liofilizadas. Viabilidade pode ser mantida por 20 anos. (A) ampola de vidro contendo células de levedura liofilizadas; (B) liofilizador carregado com ampolas de vidro.
Autores: Mario Lucio Lopes, Vanessa M Costa Diana e Henrique V. Amorim
Fonte: Portal FT fevereiro/2016