A Reunião Anual de 2019 da Fermentec reuniu mais de 400 profissionais de usinas do Brasil e exterior em dois dias de palestras. Este ano o formato do evento teve algumas novidades. Uma delas foi a divisão das palestras por painéis, o que estimulou o debate entre os participantes. Foram seis painéis: RenovaBio, Etanol de Milho, Controle Analítico, Processo industrial, Inovações Analíticas e Tecnologias Industriais. Os convidados promoveram um debate de alto nível, não só no palco, mas também na plateia que contou com pessoas com história no agronegócio, entre eles Maurílio Biagi Filho e o presidente da Abramilho, Sérgio Luis Bortolozzo.
Renovar e agir – RenovAção
A prioridade das empresas é o crescimento e a sobrevivência, mas na indústria 4.0 a melhoria contínua adquire um novo grau de importância, especialmente no setor sucroenergético. Para outros tipos de empresas a sustentabilidade é marketing, mas para as usinas, as questões ambientais fazem parte do business. Na abertura da Reunião Anual da Fermentec, Henrique Amorim Neto, destacou a grande oportunidade que chega este ano, o RenovaBio, que vai gerar receita para o setor. Uma receita expressiva vai depender do desenvolvimento em processos e tecnologia. Portanto, participar do RenovaBio não basta, é preciso melhorar para obter cada vez mais créditos “a renovação virá para os que agirem”, afirmou Amorim Neto.
Henrique Vianna de Amorim: 80 anos de amor pelo conhecimento
No encerramento da Reunião Anual, os assuntos técnicos deram lugar à emoção. Henrique Amorim Neto chamou seu pai ao palco, o Dr. Henrique, que no dia primeiro de julho completou 80 anos de vida. Conhecer, medir, identificar, adaptar são algumas das palavras de ordem que sempre motivaram o ex-professor da ESALQ, pesquisador e empreendedor a seguir em frente. Segundo Amorim, é uma simbiose, um casamento que tem dado muito certo em busca de soluções para promover a excelência em produtos e serviços para o setor.
Painel RenovaBio
O RenovaBio foi um dos assuntos mais importantes da Reunião Anual. O programa faz parte da Política Nacional de Biocombustíveis (Lei 13.576/2017) e as usinas que já estiverem preparadas poderão, a partir de dezembro de 2019, emitir os CBios. O painel RenovaBio contou com a participação do CEO da Datagro, Plinio Nastari, do coordenador do RenovaBio na Agência Nacional do Petróleo, ANP, Luiz Fernando Coelho, Nilza Patrícia Ramos, da Embrapa Meio Ambiente, Márcio Farah, do BENRI e Fabio Beltrame, da Control Union. No painel, os profissionais das usinas receberam informações detalhadas sobre cada etapa do RenovaBio, desde sua tramitação à sanção da lei, passando pelos procedimentos que as unidades terão que cumprir para gerar CBios, que são os levantamentos de dados, verificação por uma firma inspetora e validação pela ANP.
Plinio Nastari apresentou um panorama sobre a crescente demanda de combustíveis para o transporte e a participação do Brasil tanto no consumo quanto na liderança no desenvolvimento de biocombustíveis com alta densidade energética e baixa pegada de carbono. Segundo Nastari, o Brasil é campeão mundial em substituição de gasolina por etanol e tem a grande oportunidade de produzir veículos híbridos com célula a combustível, uma alternativa viável economicamente frente às outras tecnologias, como a dos carros elétricos, que utilizam baterias, que são caras e têm recursos limitados. É eficiência energética aliada à redução das emissões de gases de efeito estufa. Dentro deste cenário, Nastari destacou o papel do RenovaBio que, segundo ele, está no centro de políticas públicas de meio ambiente, expansão dos biocombustíveis, agricultura e geração de empregos.
Mário Lúcio Lopes destacou como três tecnologias desenvolvidas pela Fermentec podem contribuir para o aumento da eficiência energética da usina e resultar em mais CBios dentro do programa RenovaBio. A tecnologia Altferm eleva o teor alcoólico e reduz a produção de vinhaça, que representa menos caminhões para transporte da vinhaça ao campo e menor consumo de óleo diesel. Outra vantagem é a ampliação do raio econômico da vinhaça no campo o que diminui o uso de fertilizantes. Já o OleoLev transforma compostos orgânicos da vinhaça em biodiesel e biometano, ampliando a produção de bioenergia pelas usinas. A terceira tecnologia é o StarchCane, que aumenta o tempo de aproveitamento da usina fermentando etanol de cana e milho em paralelo, reduzindo o tempo ocioso da indústria com as paradas da entressafra.
Etanol de milho
Guilherme Nastari, diretor da Datagro, destacou a vanguarda do Brasil em energias limpas e como as usinas podem diversificar a atividade e utilizar a cadeia do etanol para produzir biometano, biogás e etanol de milho. O desafio, segundo ele, é melhorar a comunicação com os consumidores para expor todos os benefícios do mercado da energia limpa.
O etanol de milho se apresenta como uma alternativa para manter a usina trabalhando no período da entressafra. A tecnologia StarchCane, desenvolvida pela Fermentec, permite que a usina produza etanol de milho na entressafra utilizando a mesma estrutura da fermentação com caldo de cana e com reciclo de leveduras, o que aumenta a eficiência do processo. Assim, a usina praticamente elimina a ociosidade da indústria e produz etanol o ano todo. Uma prova que o etanol de milho chegou para ficar no Brasil são os investimentos que estão sendo feitos em novas usinas, principalmente no Mato Grosso, estado produtor do grão.
Já são dez unidades em operação no Brasil, sendo cinco no Mato Grosso, três em Goiás, uma em São Paulo e uma no Paraná. Sete estão em construção e diversos projetos no horizonte a médio e longo prazo. O projeto Millenium Bioenergia confirma essa previsão. Anderson Assunção, da empresa de engenharia FLUOR e executora do Millenium, apresentou o projeto da usina de Jaciara, no Mato Grosso. A planta será toda dividida em ilhas de produção e suas estruturas serão modulares, ou seja, poderão vir montadas e transportadas por caminhão para se conectar aos demais sistemas, sem interferência na produção. O projeto da usina de Jaciara está pronto para início de execução das obras e será o modelo para a implantação de outras unidades do Millenium Bioenergia. As unidades do projeto vão utilizar a tecnologia StarchCane, desenvolvida pela Fermentec, para a condução da fermentação do milho.
Controle analítico
Claudemir Bernardino apresentou um estudo que avalia a possibilidade de fazer a amostragem para pagamento de cana na esteira. Foi feita uma comparação da esteira com o digestor e os resultados foram altamente promissores. O estudo seguiu os seguintes fluxos:
Digestor
Sonda oblíqua, desfibrador/forrageira, extrator digestor quente/frio e cromatografia.
Esteira
Esteira de borracha, re-desfibrador África do Sul, extrator digestor quente/frio e cromatografia.
As correlações entre os métodos foram positivas e muito significativas, por isso a pesquisa seguirá adiante com a avaliação do sistema de limpeza a seco e a possibilidade de utilizar o NIR na esteira. A amostragem na esteira tem vários benefícios, como menor interferência do fator humano, redução de custos com manutenção com sonda oblíqua e forrageira e diminuição de análises no laboratório.
Processo industrial
Tratamento do caldo para produção de açúcar e etanol
O tratamento do caldo para produzir etanol não pode ser o mesmo para fazer açúcar. Esse foi o tema da palestra de Luiz Anderson Teixeira na Reunião Anual, que mostrou os efeitos distintos da sulfitação e da caleação para os dois processos e a atenção que se deve ter às diferenças no caldo para fazer açúcar ou produzir etanol.
Eficiência x produtividade x custo
Como chegar ao equilíbrio entre eficiência, produtividade e custos? Fernando Henrique Giometti respondeu à pergunta com recomendações importantes para as usinas: ter agilidade de controle e monitoramento, análise de dados em tempo real, inteligência (explicar fenômenos e identificar as causas) e usar a rede de colaboração (unidade industrial, centro de pesquisa e fornecedores).
Para melhorar a condução da fermentação ele deu cinco dicas preciosas:
– Controle da contaminação bacteriana;
– Assepsia dos equipamentos para evitar a contaminação;
– Tratamento do levedo, utilizando leveduras adequadas ao processo;
– Antecipação da aplicação de antibiótico. Adiar a aplicação possibilita o aumento da contaminação e ao maior uso de antibiótico;
– Monitoramento por cromatografia.
Metagenômica
A metagenômica é uma nova ferramenta que permite a identificação de bactérias sem cultivo, baseada em comparação de sequências de DNA. Foi feito um trabalho com amostragem com 22 usinas, que reuniu 954 amostras totalizando 1,4 bilhão de bases sequenciadas. Segundo Rudimar Cherubin é o maior trabalho de genômica do mundo. De 1% a 3% do rendimento da indústria é perdido por causa de contaminações, um custo alto ao setor sucroenergético. Com a metagenômica é possível descobrir quais são as bactérias, onde estão e suas características e assim fornece dados para tomar medidas de combate aos contaminantes e atuar na prevenção.
Bruno Sattolo também apresentou exemplos na prática de aplicação da metagenômica, neste caso para fazer o rastreio de bactérias que causam doenças na cana. Com a metagenômica é feito um mapeamento dos microrganismos fitopatogênicos, que permite fazer um trabalho de prevenção. A contaminação da cana por bactérias prejudica o rendimento e a qualidade da cana, provocam a reforma precoce do canavial e aumenta o custo com insumos. O próximo passo é fazer o mesmo rastreio com vírus e fungos.
Levedura: a estrela da fermentação
Silene Paulillo mostrou porque a levedura, a protagonista da fermentação, deve receber uma atenção especial no início da safra. A recomendação é sempre começar a safra com leveduras selecionadas, nunca de panificação, que tem alta dominância e persistência. As leveduras selecionadas também são importantes porque permitem identificar leveduras personalizadas no processo.
A Fermentec realizou um levantamento sobre a permanência das leveduras selecionadas utilizando dados de dez safras (2009 a 2018) em 132 usinas. As usinas foram divididas em três classes:
Classe A: leveduras selecionadas ficam pelo menos até cinco meses com dominância maior ou igual a 90%;
Classe B: selecionadas ficam até cinco meses com dominância menor que 90% e maior que 20%;
Classe C: selecionadas ficam com dominância menor ou igual 20% até três ou quatro meses.
Resultados
As usinas que ficaram na classe A foram as que usaram, em média, 1095 Kg de leveduras selecionadas para iniciar a safra. As da classe B usaram em média 722Kg de leveduras selecionadas. Já as da classe C usaram em média 475Kg de leveduras selecionadas.
Portanto a quantidade de levedura que se utiliza para iniciar a safra interfere na permanência dessas leveduras.
Case: mudança de hábito
Uma usina passou a usar levedura selecionada a partir da safra 2018/19 adquirindo 2040Kg. Em apenas um mês em que as leveduras selecionadas estavam no processo a usina produziu quase 1000 m3 de etanol a mais que na safra anterior, sem levedura selecionada. Ou seja, o investimento em levedura selecionada não chegou a 10% em relação ao incremento em produção de etanol.
Fazendo as contas, é possível chegar aos resultados financeiros.
984 m3 x R$ 1.850,00 = R$ 1.820.400,00
A levedura selecionada reduziu em 8% o gasto com insumos.
Marte é o limite
Lucas Boldrini, estudante de biotecnologia da Ufscar de São Carlos, apresentou o projeto Astroshield que a equipe de estudantes está desenvolvendo para participar da iGEM, uma competição de máquinas geneticamente engenheiradas que será realizada em outubro no MIT, em Boston. O projeto tem o objetivo de desenvolver uma levedura que tenha condições de fazer fermentação em ambientes hostis, como o planeta Marte. Na terra, uma das aplicações possíveis para esta levedura é um processo de esterilização em que um raio ultravioleta elimina bactérias e outras leveduras indesejadas preservando apenas as leveduras que interessem ao processo. A Fermentec é parceira do projeto Astroshield e tem acompanhado os resultados das pesquisas para avaliar aplicações futuras.
Lars Grael fecha reunião com chave de ouro
“O pessimista reclama do vento, o otimista espera ele mudar e o realista ajusta a vela”. A Reunião Anual fecha em grande estilo com toda a história de superação do velejador Lars Grael, que falou sobre os desafios do início da carreira, o título mundial ao lado do irmão Torben, as dificuldades na preparação para as Olimpíadas, as pessoas que fizeram a diferença em sua vida e o auge da vela em Atlanta com a medalha de bronze e o ouro de Torben em outra categoria. Lars lembrou sua luta pela vida após sofrer um acidente provocado por uma lancha em que perdeu a perna direita. A revolta por perder a perna no auge da carreira foi diminuindo quando conheceu a enfermeira Claudia, que também usava uma prótese e fazia esporte de aventura. Um exemplo de motivação que trouxe uma grande superação e a volta ao esporte com o título Sul-Americano em 2005.