A revista Nature publicou no mês de julho uma pesquisa com os resultados do aprimoramento da técnica de CRISPR Cas9 para permitir a edição ou “correção” das mutações pontuais do DNA mitocondrial devido à dificuldade dos componentes cruzarem a membrana das mitocôndrias. A edição do DNA mitocondrial sempre foi um grande desafio para a ciência. O DNA mitocondrial acumula mutações pontuais ao longo do tempo, que permitem diferenciar uma levedura e até mesmo um indivíduo. Essas mudanças no DNA mitocondrial podem levar às doenças hereditárias.
Com esta nova técnica, revelada pela Nature, será possível reparar as mutações pontuais do DNA mitocondrial relacionadas com muitas doenças hereditárias.
Desde 2007, a Fermentec utiliza a técnica de análise do DNA mitocondrial para complementar os resultados da análise de DNA nuclear (cariotipagem) para identificar e monitorar as leveduras presentes nas dornas de fermentação.
As leveduras têm um DNA mitocondrial até que muito parecido com o dos humanos. É possível diferenciar as cepas de leveduras porque cada linhagem acumulou mutações pontuais no DNA mitocondrial diferentes das outras linhagens. Por conta do estado diploide das leveduras, do número de cromossomos e da facilidade de esporulação e recombinação dos cromossomos, as mutações pontuais e cromossômicas se acumulam com maior velocidade que no DNA mitocondrial.
No caso das leveduras, se fosse montado um relógio biológico, o DNA mitocondrial seria o ponteiro das horas e o cromossômico o ponteiro dos minutos.
Confira algumas considerações sobre as formas que a leveduras encontram para se adaptarem ao ambiente, bem como o papel da cariotipagem e o DNA mitocondrial para identificarem esses comportamentos.
Cariotipagem ou DNA mitocondrial? Qual devo solicitar?
A cariotipagem é técnica padrão e primária para fazer a identificação, rastreamento e seleção das leveduras. A qualidade dos géis permite diferenciar claramente as linhagens de leveduras Saccharomyces e também Não Saccharomyces no mesmo gel, em uma só corrida, assim como os rearranjos cromossômicos que se acumulam nas leveduras.
A análise do DNA mitocondrial deve ser realizada quando surgirem cariótipos semelhantes, mas que não são completamente idênticos ao das linhagens originais, para confirmar a origem de uma determinada levedura (se ela é selvagem ou relacionada com uma levedura selecionada) e para auxiliar na seleção de novas linhagens.
Como devo usar o DNA mitocondrial?
Deve ser usado como técnica complementar à cariotipagem.
Muitos laboratórios usam uma ou outra técnica isoladamente. A Fermentec foi a primeira empresa a usar as duas técnicas de forma combinada para identificar a origem das leveduras e seu parentesco.
Para que usar técnicas combinadas? O DNA não é o mesmo?
O DNA não é o mesmo. A cariotipagem varre as modificações e diferenças no DNA cromossômico (nuclear) das leveduras enquanto o DNA mitocondrial varre as diferenças no material genético contido nas mitocôndrias.
O DNA cromossômico, por sua característica, está sujeito a vários tipos de recombinação e variação mitótica e meiótica.
O DNA mitocondrial por sua vez é um pouco mais conservado. Além disso, como as células carregam entre 50 e 70 cópias do DNA mitocondrial, uma modificação tem quer ser vantajosa para se fixar.
Uma levedura que está fermentando ainda tem mitocôndrias?
Sim! Embora a atividade respiratória esteja reprimida, a levedura carrega as mitocôndrias e cópias do DNA mitocondrial.
A análise do DNA mitocondrial é muito mais cara do que a cariotipagem?
Não! O custo das duas análises é equivalente, uma vez que a maior parte dos tampões e reagentes são os mesmos. A Fermentec adaptou a análise do DNA mitocondrial para condições mais próximas das que já vinham sendo trabalhadas.
O resultado do DNA mitocondrial pode ser diferente da cariotipagem?
Sim. Isso ocorre porque estão sendo avaliados DNAs diferentes e pelos princípios das duas metodologias serem distintos. Como já foi mencionado, o DNA cromossômico está mais sujeito às quebras e recombinações em relação ao DNA mitocondrial. Além disso, a cariotipagem baseia-se na análise física do DNA cromossômico (número de bandas, posição ou tamanho e intensidade).
Por sua vez, o DNA mitocondrial baseia-se no acúmulo de mutações pontuais (não sofre recombinação meiótica, segregação e, por isso, não segue as leis Mendelianas).
Como devo considerar resultados que podem parecer conflitantes entre a cariotipagem e o DNA mitocondrial?
Conforme já foi destacado anteriormente, a análise primária é a cariotipagem. O DNA mitocondrial deve ser requisitado quando surgirem dúvidas. O resultado final deve levar em conta várias informações, mas será baseada nas duas técnicas como descrito no item 6.
Pode ser feita uma analogia para entender melhor o uso das duas técnicas?
Sim! Quando a levedura recombina seus cromossomos, é como se ela estivesse mudando de roupa. Isso dificulta a identificação pela cariotipagem porque a comparação é feita sempre com a original (que veste a mesma roupa).
No caso do DNA mitocondrial ela muda de roupa com menor frequência ou apenas um pequeno detalhe da roupa é que muda. Por essa razão, se ela quiser escapar da identificação trocando de roupa várias vezes (rearranjando seus cromossomos) não vai adiantar porque será pega na análise do DNA mitocondrial. A Fermentec tem vários casos interessantes em que isso aconteceu, sendo que os mais lembrados são da FT858L, FT859L e Fermel® (parentes da PE2).
Por que é importante saber se a levedura é uma variante da PE2 ou uma selvagem?
Porque foi observado que nem todas as substituições de leveduras que ocorrem são devidas exclusivamente à entrada de leveduras selvagens que, por sua vez, não têm nenhuma relação com as leveduras selecionadas. Contaminação por leveduras selvagens está muito mais ligada à entrada dos microrganismos na indústria com a cana, águas, etc.
Mudanças das leveduras selecionadas estão relacionadas com a capacidade de adaptação ao ambiente. Então, alguns casos de substituição de leveduras talvez não sejam por causa da qualidade da cana, mas por conta das condições estressantes da fermentação que forçam as mudanças nas leveduras.
Com a técnica do DNA mitocondrial tem sido possível demonstrar que as leveduras instaladas na fermentação industrial sofrem modificações nos seus cromossomos. De três a quatro rearranjos podem ser identificados nas leveduras pela cariotipagem, mas quando acumulam um número maior de alterações fica mais difícil (só com o DNA mitocondrial ou outras técnicas moleculares).
Estas modificações levavam a uma identificação equivocada de leveduras selvagens. Na luz do conhecimento atual, nem todas as leveduras dominantes são linhagens selvagens, que não tem nenhuma relação com a PE2 ou CAT1, ou ainda com a levedura Personalizada, no caso de usinas que já utilizam esta tecnologia. O DNA mitocondrial tem permitido desvendar novos segredos destas leveduras e os artifícios que elas usam para se adaptarem e sobreviverem ao ambiente industrial.