O uso do cálculo do rendimento de fermentação por subprodutos tem sido, desde o final dos anos 80, uma tentativa de representar o balanço de massa através dos principais componentes produzidos durante a fermentação alcoólica, principalmente nos processos contínuos. O objetivo foi buscar uma forma simples para representar o rendimento e que não utilizasse volumes e para isso foram inseridos os principais produtos gerados.
A equação é descrita da seguinte forma:
Rendimento = 100 / (1 + 1,19 KL + 0,5 KG + 0,511 (KAC + KART))
Onde: KL: massa de levedura produzida / álcool produzido (g massa seca / g etanol)
KG: massa de glicerol produzido / álcool produzido (g glicerol / g etanol)
KAC: massa de ácido produzido / álcool produzido (g ácido / g etanol)
KART: massa de açúcar residual / álcool produzido (g ART residual / g etanol)
Entretanto, as reações não são simples como descritas na equação e são sujeitas a interferências causadas pela própria levedura, pela presença de outros microrganismos e pelas condições de processo.
O subproduto que mais afeta o cálculo é a biomassa. Deduzindo a fórmula, se observa que a biomassa tem um peso maior que os demais, pois está sendo multiplicada por 1,19 e os demais por 0,511. Uma vez que esse fato se tornou conhecido, algumas unidades passaram a não remover o excesso de biomassa do processo para manter elevado (erroneamente) o rendimento por subprodutos. Esse é o exemplo clássico de mau uso de uma equação, pois o excesso de fermento no processo prejudica o rendimento real e aumenta o uso de insumos. Além disso, quando ocorre floculação, a amostragem de fermento pode não ser representativa e esse fato que gera um erro grave no resultado.
No cálculo não estão inseridos outros subprodutos como o acetaldeído e o ácido acético, os quais são volatilizados durante a fermentação, dificultando a quantificação, mas a sua produção afeta o balanço de massa interferindo no rendimento. Além destes exemplos, há muitos outros produtos que não são considerados na equação.
Todos estes fatos citados são conhecidos e levam a um rendimento de fermentação (por subprodutos) superestimado quando comparado ao rendimento calculado por volumes. Em comparativos realizados ao longo de muitas safras com os dados industriais a tendência dessa superestimação foi confirmada. Conhecendo as limitações do rendimento por subprodutos é correto afirmar que este cálculo pode ser usado como referência e não para definir perdas no setor.
Devido a presença de outros microrganismos além da levedura, o processo fermentativo fica sujeito a outros interferentes. A seguir, serão apresentados fatos reais nos quais a presença de contaminantes microbianos exerceu influência direta sobre no cálculo de rendimento por subprodutos.
Este levantamento não tem a intenção de comparar as formas de avaliar o rendimento de fermentação, mas abordar casos onde ocorre a degradação (metabolismo) e a formação de novos subprodutos não considerados na fórmula.
O glicerol pode ser metabolizado?
No primeiro exemplo, na safra 2014/2015 foi identificada uma relação positiva entre o rendimento por subprodutos e a contaminação bacteriana no vinho em uma destilaria. Os aumentos do rendimento e da contaminação ocorriam de forma paralela.
Aprofundando a análise dos dados se observou que o aumento do rendimento também estava relacionado com a redução da concentração de glicerol. Em determinadas ocasiões o balanço de glicerol chegava a valores extremamente baixos reforçando as suspeitas relacionando o glicerol à contaminação.
Para avaliar o caso, amostras do vinho foram coletadas e as bactérias presentes foram isoladas e identificadas. Por meio do sequenciamento do 16S rDNA foi identificada uma espécie de bactéria, a Acetobacter indonesiensis, que tem como habitat a cana e é capaz de consumir ou transformar o glicerol em outros produtos como:
– 3-hidroxipropionaldeido e acroleína;
– 1,3 propanodiol;
– Dihidroxiacetona.
Portanto, houve a produção de glicerol, que foi transformado em outro produto, gerando um erro no rendimento. A avaliação dos dados revelou que a presença dessa bactéria causou uma interferência de 3 p.p. no rendimento de fermentação por subprodutos em determinados períodos. Nos dois gráficos a seguir se observa a relação entre a contaminação bacteriana, o consumo de ART para a produção de glicerol e o rendimento de fermentação por subprodutos.
Foi realizado um ensaio e a bactéria em questão apresentou crescimento em meio de cultivo sintético no qual a única fonte de carbono era o glicerol, confirmando a hipótese.
Fermentação Malo-láctica reduz a acidez do vinho
Em outro caso, na safra 2007/2008, foi observado em uma usina que o aumento da contaminação reduzia a acidez do vinho. Esse fato se repetiu na safra seguinte. De amostras do vinho foram isolados e identificados, novamente pelo sequenciamento do gene 16S, quatro isolados da espécie Lactobacillus fermentum capazes de reduzir a acidez do vinho. Destes, três isolados foram capazes de metabolizar o ácido málico e outros três isolados de metabolizar o ácido cítrico.
Estas bactérias obtêm energia convertendo o ácido málico em ácido lático reduzindo a acidez do vinho, em um processo conhecido como fermentação malolácticas. Essa redução da acidez do vinho eleva erroneamente o rendimento de fermentação por subprodutos.
A fermentação malo-láctica é desejável e comum na produção de vinhos de mesa. Isso ocorre porque o ácido málico apresenta dois grupos carboxílicos e o ácido lático apenas um. No gráfico a seguir ocorre entre as semanas 22 e 27 uma relação negativa entre as duas variáveis.
Manitol: um álcool produzido por bactérias
O advento da cromatografia líquida tornou mais simples a determinação de um novo subproduto produzido por bactérias hetero-fermentativas e não pela levedura, o manitol (que é um poliol, ou seja, um álcool). Este é um produto originado durante o crescimento bacteriano através do consumo de açúcares redutores (frutose) afetando o rendimento de fermentação por subprodutos.
Em pesquisa sobre a produção de manitol foram obtidos os resultados de ensaio realizado com distintas espécies em crescimento por 48 horas a 32ºC e em meio de caldo e melaço acrescido de minerais e extrato de levedura. As condições utilizadas foram similares as condições de produção industrial de etanol.
No gráfico a seguir, há uma correlação evidenciando que a concentração de manitol está associada ao crescimento bacteriano.
A análise dos dados do quadro a seguir evidencia que a produção de manitol é variável e significativa em algumas espécies, principalmente dos gêneros avaliados Leuconostoc e Lactobacillus. Em fermentações que estes contaminantes estiverem presentes, o rendimento de fermentação por subprodutos será superestimado.
Em resumo, foram discorridas algumas variáveis que poderiam ser inseridas na equação de rendimento de fermentação por subprodutos para uma melhor representatividade. Há variáveis que afetam o rendimento geral por subprodutos e, algumas delas, poderiam ser adicionadas à fórmula. Contudo, inserir variáveis implicaria em aumento de dificuldade e o que se busca nas análises é justamente a simplicidade. Por fim, o rendimento por subprodutos pode ser usado como referência, mas não para definir perdas no setor.
Autor: Rudimar A. Cherubin
Fonte: Portal FT Março/2016