Alternativa para o tratamento ácido do fermento

Por Marcel Salmeron Lorenzi

São mais de 60 anos de história…

O tratamento ácido do levedo é uma prática recorrente nas fermentações com reciclo de células. É uma etapa de grande importância que ocorre após a centrifugação do vinho bruto ao término da fermentação. E o principal agente deste tratamento do levedo é o ácido sulfúrico, transformando este insumo num dos principais custos das fermentações industriais. A praticidade, a eficiência e o custo/benefício fizeram do tratamento ácido do levedo com ácido sulfúrico uma prática constante sem grandes inovações há quase 60 anos.

Mas porque usar ácido? Não prejudica a fermentação?

Como várias coisas que permeiam a nossa vida, o importante não é “o quê? ”, mas sim o “como?”. Usando o ácido de maneira adequada (controle da dosagem e procedimentos operacionais adequados), o tratamento ácido é realizado com a finalidade de reduzir a contaminação bacteriana, desflocular o levedo e potencializar a ação de alguns antibióticos. Adicionalmente, o ácido também remove as impurezas da parede celular da levedura preparando-a para o próximo ciclo fermentativo. Em outras palavras podemos dizer que o tratamento ácido é um verdadeiro “banho” nas células das leveduras.

…o tratamento ácido é um verdadeiro “banho” nas células das leveduras.

Tudo bem. O tratamento ácido é importante. Mas porque o ácido sulfúrico? Não tem outro?

Até 12 anos atrás não tínhamos como responder a essa pergunta…, mas isso mudou!

Na safra 2008/2009 as variações de demanda para a indústria de fertilizantes, mineração, síntese química, afetou consideravelmente os preços e a disponibilidade do ácido sulfúrico para as usinas ao longo desta safra. Isto pressionou a necessidade de um insumo alternativo viável e com custo/benefício compatível para o uso nas fermentações industriais. Além disso, um trabalho feito pela FERMENTEC em parceria com a UNIPAR possibilitou a viabilização técnica de um insumo alternativo com grande potencial. O ácido clorídrico (HCl). Essa união, que envolve questões comerciais favoráveis e potencial técnico de uso, possibilitou ao ácido clorídrico a oportunidade de ser usado como uma alternativa inovadora e viável através de sua aplicação para o tratamento ácido do levedo. Foi mais uma aplicação que foi agregada ao portfólio de usos do ácido clorídrico.

…trabalho feito pela Fermentec em parceria com a Unipar possibilitou a viabilização técnica de um insumo alternativo com grande potencial. O ácido clorídrico (HCl).

Mas não tem usinas utilizando, por quê?

O uso do ácido clorídrico para o tratamento do levedo veio para quebrar o paradigma da indústria, que até então dependia exclusivamente do ácido sulfúrico e antibióticos para controlar a contaminação bacteriana.

Dessa maneira, a quebra de paradigma não é fácil… exige um trabalho intenso, afinal são anos e anos de tradição do ácido sulfúrico. Mas é importante termos claro a existência dessa alternativa viável, seja nos momentos em que o custo do ácido sulfúrico se eleve, seja como uso por opção.

Mas o HCl realmente não vai afetar a minha fermentação?

A resposta é simples: Não. Além das avaliações prévias em laboratório, a FERMENTEC conduziu na Usina Mandu na safra 2009/2010 uma avaliação de 250 fermentações em batelada comparando os efeitos do ácido sulfúrico com o ácido clorídrico. E os resultados foram claros ao comprovar que o uso do HCl é viável e não representa riscos à fermentação.

Para ilustrar, na Figura 1 é possível visualizar um comparativo de 40 tratamentos ácido ocorridos na avaliação industrial, sendo 20 com ácido sulfúrico e 20 com ácido clorídrico. Está evidente que não há interferência negativa do ácido clorídrico. O discreto aumento da viabilidade verificado com uso do HCl pode ser explicado por questões operacionais mais favoráveis e não devido ao uso do ácido.

Figura 1. Comparativo da viabilidade da levedura no tratamento ácido com os 2 insumos avaliados no processo industrial – ácido sulfúrico e ácido clorídrico. Dentro do universo de 250 fermentações avaliadas, foram extraídas para essa comparação 40 fermentações e o critério para seleção dos dados foi pH máximo de 1,9 no tratamento ácido.

…os resultados foram claros ao comprovar que o uso do HCl é viável e não representa riscos à fermentação.

Adicionalmente, na Safra passada (2020/2021), a Fermentec e a UNIPAR voltaram a trabalhar em parceria em testes em escala piloto, com o intuito de levantar ainda mais subsídios que sustentam a viabilidade técnica e econômico do uso do HCl no tratamento ácido das leveduras. Em setembro de 2020 a Fermentec acompanhou uma semana de testes na planta piloto instalada no SENAI/Sertãozinho/SP. Foram feitas análises químicas e microbiológicas (viabilidade, brotamento celular, aglomeração e contaminação bacteriana) em cada uma das fermentações, para que fosse possível verificar se os tipos de ácidos utilizados no tratamento do levedo (sulfúrico ou clorídrico) podiam afetar de maneira diferente a fermentação.

O trabalho foi intenso e revelou novamente resultados relevantes e positivos. Em relação à contaminação bacteriana e produção de ácido láctico, não foram observadas diferenças entre os dois ácidos utilizados. Também não foram observados efeitos negativos do HCl sobre a viabilidade e brotamento do levedo em comparação com o H2SO4. Ao contrário, com o avanço dos ciclos fermentativos a viabilidade e brotamento do levedo se mantiveram tão elevados quanto o que foi observado para o tratamento com H2SO4. Vale destacar que o HCl apresentou uma tendência de menor aglomeração em relação ao H2SO4, embora um número maior de observações se faz necessário para confirmar estes resultados.

Dessa forma, considerando todo o conjunto de dados avaliados, podemos concluir que, considerando o contexto fermentativo, mais uma vez não encontramos pontos negativos na avaliação do uso do HCl no tratamento da levedura para a fermentação. Com isso, novamente a Fermentec reitera a viabilidade técnica do uso do HCl para sua aplicação no tratamento ácido das leveduras. E, ainda na linha de levantar mais indicativos de viabilidade técnica e econômica, a Fermentec e Unipar voltarão a trabalhar em parceria um projeto de avaliação do uso do HCl em escala industrial no 2º. Semestre de 2021.

…mais uma vez não encontramos pontos negativos na avaliação do uso do HCl no tratamento da levedura para a fermentação…

Se eu optar pelo HCl terei economia no uso de insumo para o tratamento ácido?

Se considerarmos a quantidade de ácido utilizado, na base 100%, a quantidade HCl requerida para se atingir os mesmos valores de pH alcançados pelo ácido sulfúrico é menor. Isso é facilmente explicado pela química das moléculas, sendo que o HCl é um ácido mais forte que o H2SO4. Sendo mais forte, o HCl libera mais facilmente o hidrogênio contribuindo para um abaixamento mais rápido do pH do meio.

Com relação a custos, a economia depende dos valores comerciais praticados pelo ácido sulfúrico e pelo ácido clorídrico. Assim, neste caso, é preciso avaliar essas questões usina a usina. O que podemos adiantar é que no cenário atual do dólar com valores elevados a possibilidade de ganhos econômicas é elevada.

Mas e o efeito corrosivo do cloreto sobre o aço inox da minha indústria?

Mais uma questão que não demanda preocupações. A UNIPAR, fabricante de HCl e parceira da FERMENTEC nos trabalhos de validação deste insumo, conduziu em paralelo trabalhos com a Coppetec (UFRJ/RJ) e CCDM (Ufscar/SP) que demonstram que o uso de HCl na fermentação não acarreta efeito corrosivo maior no Aço Inox em comparação ao uso do ácido sulfúrico tradicionalmente empregado.

Ainda dentro deste tema, com o intuito de agregar ainda mais informação técnica e trazer credibilidade ao uso do HCl na fermentação, a UNIPAR também iniciou na safra passada (2020/2021) um novo projeto em parceria com a Profa. Dra. Idalina Vieira Aoki do LEC – Laboratório de Eletroquímica e Corrosão, pertencente ao Departamento de Engenharia Química da USP – EPUSP. O objetivo desse trabalho, que foi iniciado a partir das amostras coletadas nos ensaios feitos na planta piloto do Senai/Sertãozinho/SP, é avaliar a corrosividade de vinhos tratados com H2SO4 e HCl para os diferentes metais encontrados nas usinas, como aço carbono, aço 304, aço 316 e 316L. E, novamente, como no trabalho de anos atrás, temos resultados preliminares muito interessantes e favoráveis ao uso do HCl.

Para os resultados de perda de massa para aço carbono, por exemplo, os vinhos com o uso do H2SO4 apresentaram resultados mais agressivos que os vinhos que receberam o HCl. Para as avaliações feitas com aço inox 304, 316 e 316L, os resultados preliminares são estatisticamente iguais para os vinhos com pH acertado com HCl ou com H2SO4. Ou seja, não há diferenças entre os ácidos, reforçando que não há impacto negativo pelo uso do HCl com relação à corrosão.

… E, novamente, como no trabalho de anos atrás, temos resultados preliminares muito interessantes e favoráveis ao uso do HCl…

Você entendeu que o HCl é um insumo potencial, com alternativa viável a ser considerada, mas ainda tem dúvidas?

A Fermentec e Unipar estão à disposição para esclarecimento de dúvidas com relação aos trabalhos que temos desenvolvido em parceria.

Contatos:

Fermentec: Marcel Salmeron Lorenzi – Gerente da Área de PMO – marcel@fermentec.com.br ou Osmar Parazzi Jr – Especialista de Aplicação – osmar@fermentec.com.br
Unipar: Luciana Cristina Viviani – Coordenadora de Desenvolvimento Técnico ao Mercado (Químicos) – luciana.viviani@unipar.com

Bibliografia Consultada

USO DO ÁCIDO CLORÍDRICO PARA O TRATAMENTO DO LEVEDO EM ESCALA INDUSTRIAL. 2009. Lopes, M.L., Parazzi Jr, O., Borges, E.P., Paulillo, S.C.L., Lorenzi, M.S., Campos, D.C. e Amorim, H.V.

A empresa Unipar é patrocinadora do Webmeeting Fermentec 2021/22 Reunião Início de Safra.